Lodo de esgoto na agricultura: uma forma de promover a economia circular

O lodo de esgoto é um resíduo sólido gerado durante o tratamento do esgoto sanitário que é constituído basicamente por matéria orgânica, nutrientes e outros minerais que se acumulam pela decantam nos tanques de degradação biológica das estações de tratamento de esgoto (ETEs) (Figura 1). Estima-se que o Brasil produza cerca de 150 a 300 mil toneladas de lodo em base seca, por ano, cujo principal destino são os aterros sanitários (Nascimento et al., 2020). No entanto, a disposição em aterros apresenta algumas desvantagens como limitação do espaço físico devido à crescente urbanização, geração de odores desagradáveis e atração de animais vetores de doenças, liberação de gases do efeito estufa e riscos de contaminação do lençol freático por vazamento.

Figura 1. Estação de tratamento de esgoto (à esquerda) e lodo de esgoto seco (à direita).

Além disso, representa um desperdício não reaproveitar na agricultura um material que é rico em N e P (3,3 e 1,6 %; Berton et al. (2021)), alguns micronutrientes e matéria orgânica, um componente presente baixa quantidade nos solos mais intemperizados dos trópicos, porém essencial para melhorar a saúde do solo. Apesar disso, o Brasil ainda importa mais de 80 % dos fertilizantes, fazendo com que o setor agrícola, que é a principal atividade econômica do país, fique vulnerável às oscilações do mercado internacional e conflitos geopolíticos. A possibilidade de utilizar fontes orgânicas como fertilizantes faz parte das estratégias do Plano Nacional de Fertilizantes do Brasil, que visa reduzir a dependência externa e ampliar a produção nacional de fertilizantes (Brasil, 2021). Por essa razão, a reciclagem de nutrientes a partir da aplicação do lodo de esgoto no solo não é apenas uma alternativa para substituir parte da adubação com fertilizantes minerais importados, mas também é uma forma de promover a economia circular. Esta consiste na reinserção de resíduos na cadeia produtiva, podendo agregar valor a esses materiais por meio de processos que visam melhorar as características físico-químicas do subproduto além de servirem de base para a criação de novos fertilizantes, como os fertilizantes organominerais (Figura 2).

Para a utilização do lodo de esgoto em solos agrícolas é preciso garantir a sanitização do material, diminuindo a presença de agentes patogênicos, como helmintos e Escherichia coli, e a atração de vetores. O lodo tratado, que está apto a ser aplicado no solo, é chamado de biossólido e classificado em classe A – até 10³ Escherichia coli por grama de sólidos totais (g¹ de ST) – ou B até 10³ Escherichia coli g de ST) conforme a Resolução nº 498 de 19 de agosto de 2020.

Para isso, alguns processos de sanitização podem ser realizados:

  1. Digestão aeróbia e anaeróbia
  2. Elevação de temperatura (> 50 ºC)
  3. Elevação do pH (>12)
  4. Compostagem

Esses métodos de tratamento do lodo podem ser realizados de formas isoladas ou combinadas, com variações de tempo e temperatura. Além destes, a incineração do lodo é empregada em outros países, especialmente na Europa, como forma eficaz de eliminar contaminantes biológicos. As cinzas geradas no processo podem ser utilizadas na agricultura, porém deve ser tomado maior cautela em relação aos riscos de contaminação por metais pesados, cuja concentração tende a aumentar durante a incineração.

Estudos apontam o biossólido como uma fonte eficiente na nutrição de várias culturas agrícolas, levando em conta a dose adequada e a qualidade do composto (Sayara et al., 2020; Singh & Agrawal, 2008; Waqas et al., 2018). Porém, o aspecto volumoso do biossólido representa um empecilho para a disseminação de seu uso na agricultura. Comparado à fertilizantes minerais convencionais, o lodo de esgoto tem um teor de nutrientes muito baixo, por exemplo o fosfato monoamônico, fertilizante fosfatado mais empregado atualmente no Brasil, contém 52% de P2O5 e 11% de N, enquanto o lodo de esgoto normalmente não ultrapassa 6 % de N ou P. Por essa razão é necessário aplicar um volume maior de biossólido comparado ao fertilizante convencional, o que muitas vezes pode encarecer o frete e diminuir a competitividade do produto.

Uma forma de contornar os problemas relacionados à natureza volumosa do biossólido e aumentar o valor agregado do subproduto é emprega-lo como matriz orgânica de fertilizantes organominerais e/ou adensá-lo por processos de granulação e peletização. Os fertilizantes organominerais são produzidos a partir da mistura entre um fertilizante mineral e orgânico, cujos principais benefícios são: garantir a liberação rápida de nutrientes para atender a demanda inicial da cultura e fornecimento de matéria orgânica para o solo juntamente com compostos orgânicos com ação bioestimulantes, como as substâncias húmicas (fração orgânica). Além disso, as modificações da forma física do fertilizante afetam a dinâmica de solubilização de nutriente no solo, favorecendo a sincronização entre a disponibilização de nutrientes e a demanda das plantas que pode acarretar na melhoria da eficiência do uso de nutrientes.

Conclusão

A utilização segura de lodo de esgoto e outros resíduos na agricultura é uma forma de preservar os recursos naturais finitos e mitigar os impactos das atividades humanas sobre o ambiente. No geral, as mudanças no comportamento da sociedade e dos sistemas de produção tendem a acontecer mais rapidamente em resposta a ocasiões adversas como guerras, catástrofes naturais, mudanças climáticas, fome, epidemias. São nesses contextos que se buscam formas mais inteligentes de aproveitamento e destinação dos recursos disponíveis. No entanto, não é necessário esperar o colapso dos sistemas agrícolas ou da economia global para que o Brasil inicie uma transição gradual rumo a uma agricultura mais sustentável, visando sistemas agrícolas mais resilientes e maior autonomia no setor de fertilizantes, que são indispensáveis para garantir elevada produtividade agrícola em nossos solos.

Referências

Berton, R. S., Chiba, M. K., & Coscione, A. R. (2021). Compostagem para fins agrícolas. Instituto Agronomico de Campinas.

Brazil. (2021). Plano nacional de fertilizantes 2050. In Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos (Vol. 1).

Nascimento, A. L., de Souza, A. J., Oliveira, F. C., Coscione, A. R., Viana, D. G., & Regitano, J. B. (2020). Chemical attributes of sewage sludges: Relationships to sources and treatments, and implications for sludge usage in agriculture. Journal of Cleaner Production, 258. https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2020.120746

Sayara, T., Basheer-Salimia, R., Hawamde, F., & Sánchez, A. (2020). Recycling of Organic Wastes through Composting: Process Performance and Compost Application in Agriculture. Agronomy, 10(11), 23. https://doi.org/10.3390/agronomy10111838

Singh, R. P., & Agrawal, M. (2008). Potential benefits and risks of land application of sewage sludge. Waste Management, 28(2), 347–358. https://doi.org/10.1016/j.wasman.2006.12.010

Waqas, M., Nizami, A. S., Aburiazaiza, A. S., Barakat, M. A., Rashid, M. I., & Ismail, I. M. I. (2018). Optimizing the process of food waste compost and valorizing its applications: A case study of Saudi Arabia. Journal of Cleaner Production, 176, 426–438. https://doi.org/10.1016/j.jclepro.2017.12.165

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